A nossa relação com a comida é uma das mais complexas que temos. Ela é fonte de nutrição, prazer, celebração e cultura. Mas, para milhões de pessoas, essa relação se transforma em fonte de angústia, culpa e sofrimento.
Transtornos alimentares são condições de saúde mental graves que afetam a relação com a comida e com a imagem corporal. Não são uma escolha, um capricho ou uma fase, e podem ter impactos profundos na saúde física e emocional, inclusive com risco de vida.
Qualquer pessoa, independentemente da idade ou do gênero, pode desenvolver um transtorno alimentar. O primeiro passo para a recuperação é a informação. Este texto explica o que são esses transtornos, seus impactos, como são diagnosticadas e quais caminhos de intervenção existem.
O que são os transtornos alimentares? Conhecendo os tipos mais comuns
Embora existam vários quadros, os mais conhecidos se manifestam de formas distintas:
- Anorexia nervosa: restrição severa de ingestão alimentar, medo intenso de ganhar peso e distorção de imagem corporal. A pessoa pode se perceber acima do peso mesmo estando perigosamente abaixo do adequado.
- Bulimia nervosa: episódios recorrentes de compulsão alimentar (grande quantidade de comida em pouco tempo, com sensação de perda de controle) seguidos de comportamentos compensatórios, como vômitos autoinduzidos, uso de laxantes ou exercícios excessivos.
- Transtorno de compulsão alimentar (TCA): episódios de compulsão sem comportamentos compensatórios regulares. Costumam ser seguidos por sentimentos intensos de vergonha, culpa e tristeza.
Nem todas as pessoas se encaixam perfeitamente nessas categorias, mas ainda assim podem precisar de ajuda especializada.
Sinais de alerta e impactos na vida
Identificar um transtorno alimentar pode ser difícil, pois muitos comportamentos são ocultados ou apresentados como “dieta”/“estilo de vida saudável”. Observe sinais físicos, comportamentais e emocionais.
1 – Impactos físicos e comportamentais
Os transtornos alimentares cobram alto preço do corpo. Alguns sinais físicos incluem mudanças drásticas de peso, fadiga, tontura, queda de cabelo.
Complicações graves podem envolver arritmias, comprometimento de órgãos, osteoporose, problemas dentários (devido ao vômito) e distúrbios gastrointestinais.
Sinais comportamentais frequentes:
- Restrição severa ou exclusão de grupos alimentares.
- Esconder comida, descartar refeições ou mentir sobre o que comeu.
- Ir ao banheiro logo após as refeições.
- Exercício compulsivo, mesmo doente ou exausto.
- Isolamento social, especialmente de situações com comida.
2 – Impacto emocional e psicológico
Muitas pessoas vivenciam uma batalha interna constante. Comer pode gerar culpa e vergonha, e o controle sobre a alimentação torna-se, às vezes, a única área percebida como “controlável”.
São comuns alterações de humor, irritabilidade e instabilidade emocional. Há alta comorbidade com ansiedade, depressão e transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Baixa autoestima, perfeccionismo e pressão estética são fatores de risco. Em casos graves, pode surgir ideação suicida.
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Como é feito o diagnóstico?
O diagnóstico é clínico e deve ser realizado por profissionais de saúde. Não se baseia apenas no peso ou na aparência.
Envolve:
- Avaliação psicológica: investigação de hábitos alimentares, sentimentos sobre corpo/comida e histórico pessoal.
- Exame físico: avaliação do estado geral de saúde.
- Exames laboratoriais: identificação de complicações (por exemplo, desequilíbrios eletrolíticos, alterações renais).
Um diagnóstico adequado abre caminho para um plano de tratamento individualizado.
O caminho para a recuperação: estratégias de intervenção
A boa notícia é que a recuperação é possível. Intervenções eficazes costumam combinar cuidados multiprofissionais.
1. Psicoterapia (pilar do tratamento)
- Terapia cognitivo-comportamental (TCC): referência para bulimia e TCA. Trabalha crenças disfuncionais sobre peso/aparência e substituição de padrões nocivos. A TCC-E (TCC aprimorada; em inglês, CBT-E) é uma versão atualizada com foco em todos os transtornos alimentares.
- Terapia familiar (modelo Maudsley): especialmente eficaz para adolescentes com anorexia nervosa, envolvendo a família no processo de recuperação.
- Terapia comportamental dialética (TCD) e psicoterapia interpessoal (PTI): úteis para regulação emocional, desenvolvimentos de habilidades de enfrentamento e manejo de relações interpessoais.
2. Acompanhamento nutricional
Atuação de nutricionista com experiência em transtornos alimentares, com plano alimentar equilibrado, educação nutricional e restabelecimento de padrões regulares de alimentação para interromper ciclos de restrição/compulsão.
3. Medicação
Em alguns casos, antidepressivos e outras medicações podem auxiliar no manejo de sintomas e comorbidades.
Há evidências científicas de que certos medicamentos podem contribuir para o tratamento do transtorno de compulsão alimentar em adultos. No Brasil, entretanto, a prescrição para esse fim pode ser considerada uso fora de bula (off-label) e requer avaliação psiquiátrica criteriosa, acompanhamento contínuo e análise individualizada de riscos e benefícios.
4. Estratégias de autocuidado e apoio
- Evitar dietas restritivas que podem reforçar o ciclo compulsão–restrição.
- Identificar gatilhos (situações, alimentos, emoções) e elaborar planos de enfrentamento.
- Manter vínculos de apoio com familiares, amigos e grupos terapêuticos.
- Praticar autocompaixão, reconhecendo que recaídas podem acontecer sem invalidar o processo.
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Conclusão: um passo de cada vez
Transtornos alimentares são complexos, mas tratáveis. Com diagnóstico correto e uma abordagem integrada que contemple corpo e mente, é possível reconstruir uma relação mais segura com a comida e consigo mesmo.
Se você ou alguém próximo está enfrentando essas questões, buscar ajuda profissional é essencial. A jornada de recuperação não precisa, e não deve, ser solitária.
A Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina (SPDM) atua na promoção da saúde mental e oferece informações confiáveis e apoio para quem enfrenta transtornos alimentares e outros desafios psicológicos. Conheça nossos conteúdos e iniciativas para compreender melhor essas condições e encontrar caminhos seguros para o tratamento.
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Fontes Consultadas
- MAYO CLINIC. Binge-eating disorder: Diagnosis and treatment. Rochester, MN: Mayo Clinic, 23 fev. 2024. Disponível em: https://www.mayoclinic.org/diseases-conditions/binge-eating-disorder/diagnosis-treatment/drc-20353634
- CLEVELAND CLINIC. Eating Disorders: What They Are, Symptoms, Treatment & Types. Cleveland, OH: Cleveland Clinic, 23 set. 2024. Disponível em: https://my.clevelandclinic.org/health/diseases/4152-eating-disorders
- COSTA, M. B.; MELNIK, T. Efetividade de intervenções psicossociais em transtornos alimentares: um panorama das revisões sistemáticas Cochrane [Effectiveness of psychosocial interventions in eating disorders: an overview of Cochrane systematic reviews]. Einstein (São Paulo), v. 14, n. 2, p. 235-277, abr./jun. 2016. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4943360/.
- KORESHE, E. et al. Prevention and early intervention in eating disorders: findings from a rapid review. Journal of Eating Disorders, v. 11, n. 38, 10 mar. 2023. Disponível em: https://jeatdisord.biomedcentral.com/articles/10.1186/s40337-023-00758-3.

